A voz de uma pessoa é como o cartão de visitas que a apresenta para o mundo. Quando alguém não se reconhece no som que emite, é hora de investigar. Um caso recorrente de insatisfação acontece quando a fala de homens não acompanha o avanço da idade, provocando insegurança. Mas a condição é reversível, e a solução pode ser mais simples do que se imagina.
O distúrbio é chamado de muda vocal incompleta, como explica a médica otorrinolaringologista Érica Campos, especialista em laringologia, com foco em transição da voz. Durante a puberdade, é esperado que a voz dos adolescentes se torne mais grave. Porém, não é incomum que homens adultos mantenham características infantis. É o caso do ex-lutador Anderson Silva, que ficou conhecido não só pelo desempenho nos ringues, mas também pela voz fina. Ouça abaixo um trecho de uma entrevista do ex-campeão de médios do UFC ao podcast Flow, onde ele comenta o assunto:
“São homens que passam pela puberdade, mas mantém características infantilizadas da voz. Apesar de ser considerada uma condição pouco frequente, o impacto na qualidade de vida é significativo. É importante que os pacientes saibam que há formas de corrigir o problema”, detalha Érica.
A médica explica que o distúrbio atinge uma a cada 900 mil pessoas no mundo. Em 2024, o vídeo de um garoto de 15 anos, paciente com muda vocal incompleta, viralizou nas redes sociais. O estudante João Pedro compartilhou os resultados de sessões de fonoaudiologia. A mudança do tom de voz extremamente fino para outro mais adequado para sua idade chamou atenção. Confira abaixo o vídeo:
Como tratar?
Érica Campos ressalta que o tratamento vocal adequado realmente pode dispensar a necessidade de cirurgia, mas cada caso deve ser avaliado individualmente. “Durante a puberdade, a laringe cresce e as cordas vocais ganham corpo, tornando a voz mais grave. Quando essa mudança não acontece como esperado, é possível corrigir o problema com fonoterapia ou procedimentos cirúrgicos”, diz.

É como se as pregas vocais fossem um violão, que pode ter a tensão das cordas alteradas para modificar o som. A cirurgia indicada é a tireoplastia tipo III, que produz o relaxamento na frequência da voz para torná-la mais grossa.
O pós-operatório exige repouso relativo da voz por 7 dias e depois uso habitual, seguido de ajustes com fonoterapia. As mudanças no tom de voz são percebidas nos meses após o procedimento. Ainda segundo a médica, tratar a muda vocal incompleta garante mais autoconfiança para os pacientes. A condição costuma ser alvo de preconceito e até bullying.
“O próprio Anderson Silva já disse que gosta da sua voz, mas nem todo mundo tem essa aceitação. É uma questão de estética vocal e de se identificar com a sua própria voz”, completa Érica Campos, primeira médica brasileira a integrar a International Association of TransVoice Surgeons (IATVS).
Se de um lado é possível deixar a voz mais grave, o contrário também faz parte do cotidiano dos especialistas. A “feminilização” é buscada por mulheres trans, que buscam conexão entre identidade de gênero e voz. O procedimento é chamado de glotoplastia, explica Érica Campos. A glotoplastia desempenha um papel fundamental no pertencimento durante o processo de transição de gênero, que envolve mudanças que afetam a saúde física e mental”, detalha a médica que é referência em mudanças vocais no Brasil.
Sobre Érica Campos
Referência em transição da voz, Érica Campos tem fellowship em Laringologia e Otorrino Pediatria Avançada (UNICAMP), é mestre em Neurolaringologia (UNICAMP) e tem formação complementar no Mount Sinai Hospital, em Nova Iorque, e no Massachusetts General Hospital & Harvard Medical School, também nos EUA.
É Membro Titular da ABORL-CCF (Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial) e Full Member da IATVS (International Association of TransVoice Surgeons). Também atua como preceptora no Serviço de Laringologia do Hospital Universitário Prof. Edgard Santos (UFBA) e Hospital Otorrinos. Conheça mais sobre a médica em seu Instagram.
Neste reel, ela aborda técnicas de transição para uma voz mais aguda:
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